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segunda-feira, 25 de abril de 2016

A Mulher no Islam - Parte 9 - PROPRIEDADE DA ESPOSA?

Por: Sherif Abdel Azim



    As três religiões partilham uma fé inabalável na importância do casamento
e da vida familiar. Elas também concordam acerca da liderança do marido
sobre a família. No entanto, diferenças gritantes existem entre as três religiões,
com relação aos limites dessa liderança. A tradição judaico-cristã, diferente do
Islam, virtualmente estende a liderança do marido até o direito de posse sobre
a sua esposa.

    A tradição judaica, com referência ao papel do marido em relação à sua
esposa, origina-se do conceito de que ele a possui como sua escrava (19). Este
conceito foi a razão que norteou o padrão duplo nas leis do adultério e na
capacidade de o marido anular os juramentos da sua esposa. Este conceito foi
também o responsável para se negar à esposa qualquer controle sobre a sua
propriedade ou ganhos. Assim que a mulher judia se casava, ela perdia
completamente qualquer controle sobre sua propriedade e ganhos para o seu
marido. Os rabinos judeus afirmavam que o direito do marido sobre a
propriedade da sua esposa era um corolário da sua posse sobre ela: "Desde
que alguém entre na posse da mulher não deveria entrar na posse da sua
propriedade também?", e "Desde que ele tenha adquirido a mulher, não deve
ele adquirir a sua propriedade também?"(20). Assim, o casamento determinava
que a mulher mais rica ficasse praticamente sem um tostão. O Talmud descreve
a situação financeira da esposa como se segue:


"Como pode uma mulher ter alguma coisa; o que quer que seja dela,
pertence ao seu marido? O que é dele é dele e o que é dela é também dele ...
Seus ganhos, e o que ela possa encontrar nas ruas, também são dele. Os artigos
domésticos, mesmo as migalhas de pão sobre a mesa, são dele. Ter um
convidado em sua casa e alimentá-lo é roubar do seu marido ..." (San. 71a,
Git. 62a.).

    A questão é que a propriedade da mulher judia significava atrair
pretendentes. A família judia fixava para sua filha uma quota representativa
do estado do seu pai, a ser usada como dote em caso de casamento. Era este
dote que tornava as filhas judias um peso inoportuno para seus pais. O pai
tinha que educar sua filha por anos e então prepará-la para o casamento,
 providenciando um grande dote. Assim, a moça na família judia era uma
obrigação e não um direito(21). Esta responsabilidade explica por que o
nascimento de uma filha não era celebrado com alegria nas antigas sociedades
judias (ver a seção "Filhas Vergonhosas"). O dote era o presente de casamento
apresentado ao noivo sob os termos de contrato. O marido agia como o
proprietário do dote, mas não podia vendê-lo. A noiva perdia qualquer controle
sobre o dote no momento do casamento. Além disso, esperava-se dela trabalhar
após o casamento e todos os seus ganhos tinham que ir para o seu marido,
como pagamento pela sua manutenção, a qual era obrigação dele. Ela poderia
ter de volta a sua propriedade somente em duas situações: divórcio ou a morte
do marido. Se ela morresse primeiro, ele herdaria a sua propriedade. No caso
da morte do marido, a esposa poderia retomar a propriedade que possuía antes
do casamento, mas não se habilitava a herdar qualquer cota de propriedade do
marido falecido. Deve-se acrescentar que o noivo também tinha que apresentar
o seu presente de casamento à noiva, contudo, de novo, ele era praticamente o
proprietário deste presente enquanto eles permanecessem casados.(22)

    O cristianismo, até recentemente, seguiu a mesma tradição judaica. No
império cristão romano (após Constantino), tanto as autoridades civis como as
religiosas, exigiam um acordo sobre a propriedade, como condição para o
reconhecimento do casamento. As famílias ofereciam às suas filhas aumento
dos dotes e, como resultado, os homens tendiam a casar-se mais cedo, enquanto
as famílias retardavam o casamento delas até o máximo.(23) Pela lei canônica,
uma esposa habilitava-se à restituição do seu dote se o casamento fosse anulado,
a menos que ela fosse culpada de adultério. Neste caso, ela perdia o seu direito
ao dote, o qual permanecia nas mãos do marido(24). Pelas leis canônica e civil,
uma mulher casada, na Europa cristã e na América, até o final do séc. XIX e
início do séc. XX, perdia os direitos à sua propriedade. Os direitos da mulher
inglesa, por exemplo, foram compilados e publicados em 1632. Estes "direitos"
incluíam: "Aquilo que o marido possui é seu. Aquilo que a esposa tem é do
marido."(25)

    A esposa tão somente perdia a sua propriedade após o casamento, como
perdia sua personalidade também. Nenhum ato jurídico dela tinha valor legal.
O seu marido podia repudiar qualquer compra ou presente feito por ela como
sendo nulo de qualquer valor legal. A pessoa com quem ela tivesse feito contrato
era tomada como um criminoso por ter participado de uma fraude. Além disso,
ela não podia processar, sequer o seu marido, nem ser processada.(26) Uma
mulher casada era praticamente tratada como uma criança aos olhos da lei. A
esposa simplesmente pertencia ao seu marido e, por isso, ela perdia a sua
propriedade, a sua personalidade jurídica e o seu nome de família.(27)

    O Islam, desde o séc. VII d.C. garantiu às mulheres casadas personalidade
independente, conquista essa de que as mulheres ocidentais se viram privadas
até muito recentemente. No Islam, a noiva e sua família não têm obrigação de
presentear o noivo. A moça, numa família muçulmana, não é responsável.
Uma mulher é tão dignificada no Islam que ela não precisa presentear alguém,
a fim de atrair maridos em potencial. É o noivo que precisa presentear a noiva
com um presente de casamento. Este presente é considerado sua propriedade
e, nem o noivo nem a família da noiva têm qualquer direito ou controle sobre
tal presente. Em algumas sociedades muçulmanas de hoje, um presente de
casamento no valor de US$100.000,00 não é incomum.(28) A noiva fica com o
seu presente de casamento, mesmo que mais tarde ela se divorcie. Não é
permitida a participação do marido na propriedade da sua esposa, a não ser
que ela lha ofereça por sua livre e espontânea vontade.(29) O Alcorão estabelece

a sua posição a esse respeito muito claramente:

"Concedei os dotes que pertencem às mulheres e, se for da vontade
delas conceder-vos algo, desfrutai-o com bom proveito." (4:4).


    A propriedade e os ganhos da esposa estão sob seu completo controle e
para seu uso somente, uma vez que a sua manutenção e a das crianças é
responsabilidade do marido.(30) Não importa quão rica seja a esposa, ela não é
obrigada a agir como co-provedora para a família, a menos que,
voluntariamente, escolha fazê-lo. O casal herda entre si. Além disso, uma
mulher casada no Islam conserva a sua personalidade legal independente e o
nome da sua família.(31) Um juiz americano, certa vez, comentando sobre os
direitos das mulheres muçulmanas, disse: "Uma muçulmana pode casar-se 10
vezes, mas a sua individualidade não é absorvida pela de seus vários maridos.
Ela é um planeta solar, com um nome e uma personalidade jurídica própria."(32)




21. Epstein, op. cit., págs. 164-165.
22. Ibid., pp. 112-113. Ver também Priesand, op. cit. ,pág. 15.
23. James A. Brundage, Law, Sex, and Christian Society in Medieval Europe (Chicago: University
of Chicago Press, 1987) pág. 88.
24. Ibid., pág. 480.
25. R. Thompson, Women in Stuart England and America (Londres: Routledge & Kegan

Paul, 1974) pág. 162.
26. Mary Murray, The Law of the Father (Londres: Routledge, 1995) pág. 67.
27. Gage, op. cit., pág. 143.
28. Por exemplo, ver Jeffrey Lang, Struggling to Surrender, (Beltsville, MD: Amana Publications,
1994) pág. 167.
29. Sayid Sábiq, Fiqh al Sunna (Cairo: Darul Fatah lili'lam Al-Arabi, 11ª edição, 1994), vol.

2, págs. 218-229.
30. Abdel-Halim Abu Shuqqa, Tahrir al Mar'a fi Asr al Rissala (Kuwait: Dar al Qalam, 1990)
págs. 109-112.
31. Leila Badawi, "Islam", em Jean Holm e John Bowker, ed., Women in Religion (Londres:
Pinter Publishers, 1994) pág. 102.
32. Amir H. Siddiqi, Studies in Islamic History (Karachi: Jamiyatul Falah Publications, 3ª

edição, 1967) pág. 138-.

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