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sábado, 30 de abril de 2016

A Mulher no Islam - Parte 14 - POLIGAMIA

 Por: Sherif Abdel Azim



    Passemos agora para a importante questão que é a poligamia. A poligamia
é uma prática muito antiga, encontrada em muitas sociedades humanas. A Bíblia
não condenou a poligamia. Pelo contrário, o Velho Testamento e os escritos
rabínicos frequentemente atestam a legalidade da poligamia. Dizem que o Rei
Salomão teve 700 esposas e 300 concubinas (Reis 11:3). Também o Rei David
teve muitas esposas e concubinas (2 Samuel 5:13). O Velho Testamento tem
algumas injunções em como distribuir a propriedade de um homem entre os
seus filhos de diferentes mulheres (Deuteronômio 22:7). A única restrição com
relação à poligamia é a proibição de tomar uma irmã da esposa como uma
esposa rival (Levítico 18:18). O Talmud aconselha a um máximo de 4
esposas(51). Os judeus europeus continuaram a praticar a poligamia até o século
XVI.
    Os judeus orientais praticavam a poligamia regularmente até à chegada
a Israel, onde ela foi proibida por lei. Contudo, na lei religiosa, que sobrepuja
a lei civil em tais casos, a poligamia é permitida(52).
    E com relação ao Novo Testamento? De acordo com o padre Eugene
Hilman, no seu penetrante livro, a poligamia é reconsiderada, "Em parte alguma
do Novo Testamento há uma orientação expressa de que o casamento deve ser
monogâmico ou qualquer orientação que proíba a poligamia"(53). Além disso,
Jesus não falou contra a poligamia, embora ela fosse praticada pelos judeus de
sua época. O padre Hillman chama a atenção para o fato de que a Igreja de
Roma proibiu a poligamia, a fim de se adequar à cultura Greco-romana (que
prescrevia somente uma esposa legal, enquanto que tolerava o concubinato e a
prostituição). Ele citou Santo Agostinho, "Agora, no nosso tempo, e de acordo
com o costume romano, não é mais permitido tomar uma outra esposa"(54).
As igrejas africanas e os cristãos africanos muitas vezes lembram aos seus irmãos
europeus que a proibição da poligamia é mais uma tradição cultural do que
uma autêntica injunção cristã.
O Alcorão também permitiu a poligamia, mas não sem algumas restrições:

"Se temerdes ser injustos no trato com os órfãos, podeis desposar
duas, três ou quatro das que vos aprouver entre as mulheres. Mas. se
temerdes não poder ser equitativos para com elas, casai, então, com uma
só." (4:3).

    O Alcorão, ao contrário da Bíblia, limitou o número de esposas a 4, sob
a estrita condição de que as esposas sejam tratadas igualmente. Isto não deve
ser entendido como uma exortação a que os crentes pratiquem a poligamia, ou
que a poligamia seja considerada como um ideal. Em outras palavras, o Alcorão
"tolera" ou "permite" a poligamia, e não mais, mas porquê? Porque é a poligamia
permitida? A resposta é simples: há lugares e épocas em que razões morais e
sociais compelem para a poligamia. Como os versículos do Alcorão acima
indicam, a questão da poligamia no Islam não pode ser entendida separadamente
das obrigações da comunidade em relação aos órfãos e viúvas. O Islam, como
uma religião universal, aplicável para todos os lugares e tempos, não poderia
ignorar essas pressões.
    Em muitas sociedades humanas, as mulheres superam os homens em
quantidade. Em um país como a Guiné, há 122 mulheres para cada 100 homens.
Na Tanzânia, há 95,1 homens para 100 mulheres(55). O que uma sociedade
deve fazer para resolver esse desequilíbrio? Existem várias soluções, e alguns
podem sugerir o celibato, outros preferem o infanticídio feminino (que ainda
acontece no mundo de hoje em alguns lugares). Outros, ainda, podem achar
que a única saída é a sociedade tolerar todas as formas de permissividade
sexual: prostituição, sexo fora do casamento, homossexualismo, etc. Para outras
sociedades, como a maior parte das sociedades africanas de hoje, a saída mais
honrosa é permitir o casamento poligâmico, como uma instituição culturalmente
aceite e socialmente respeitada. A questão, que é muitas vezes incompreendida no Ocidente,
 é a de que muitas mulheres de outras culturas necessariamente
não veem a poligamia como um sinal de degradação da mulher. Por exemplo,
muitas jovens noivas africanas, sejam cristãs ou muçulmanas, prefeririam casarse
com um homem casado, que tenha provado ser um marido responsável.
     Muitas esposas africanas persuadem os seus maridos a tomar uma
segunda esposa e assim eles não se sentem sozinhos (56). Uma pesquisa realizada
na segunda maior cidade da Nigéria com 600 mulheres, com idades entre 15 e
59 anos, mostrou que 60% dessas mulheres não se importariam que os seus
maridos tivessem uma outra esposa. Somente 23% expressaram raiva ante a
idéia de dividirem os seus maridos com outras mulheres. 76% das mulheres
que se manifestaram numa pesquisa realizada no Quênia, viram a poligamia
positivamente. Em outra pesquisa realizada no campo, 25 de 27 mulheres
consideraram a poligamia melhor do que a monogamia.
    Estas mulheres sentiram que a poligamia pode ser uma experiência feliz
e benéfica se as co-esposas cooperarem umas com as outras (57). A poligamia,
na maior parte das sociedades africanas é uma instituição tão respeitada que
algumas igrejas protestantes começaram a tolerá-la, "Embora a monogamia
possa ser ideal para a expressão do amor entre o marido e a esposa, a igreja
deve considerar que em certas culturas a poligamia é socialmente aceitável e
que a crença de que a poligamia é contrária ao cristianismo não se sustenta por
muito tempo" (58).
    Depois de um cuidadoso estudo sobre a poligamia africana, o Reverendo
David Gitari, da Igreja Anglicana, concluiu que a poligamia, como idealmente
praticada, é mais cristã do que o divórcio e o novo casamento, porque há uma
preocupação com as esposas e crianças abandonadas (59). Eu pessoalmente
conheço algumas esposas africanas, finamente educadas, que apesar de terem
vivido no Ocidente por muitos anos, não fazem qualquer objeção à poligamia.
Uma delas, que mora nos USA, solenemente estimula o seu marido a tomar
uma segunda esposa para ajudá-la na criação das crianças.
    O problema do desequilíbrio entre os sexos começa na verdade nos
problemáticos tempos de guerra. Os índios nativos americanos costumavam sofrer
com essa desigualdade de número entre homens e mulheres,
principalmente após as perdas dos tempos de guerra. As mulheres dessas tribos,
que na verdade desfrutavam de uma alta posição, aceitavam a poligamia como
a melhor proteção contra a tolerância de atividades indecentes. Os colonos
europeus, sem oferecerem qualquer outra alternativa, condenavam a poligamia
indiana considerando-a "incivilizada" (60).
    Após a Segunda Guerra Mundial havia na Alemanha 7.300.000 mais
mulheres do que homens (3.3 milhões delas eram viúvas). Havia 100 homens
na idade de 20 a 30 anos para cada 167 mulheres naquele mesmo grupo de
idade (61). Muitas dessas mulheres necessitavam de um homem, não apenas
como uma companhia mas, também, como um sustentador para a casa, num
tempo de miséria e injustiça sem precedentes. Os soldados do exército aliado
vitorioso exploravam a vulnerabilidade dessas mulheres. Muitas jovens e viúvas
tinham ligações com membros das forças de ocupação. Muitos soldados
americanos e britânicos pagavam pelos seus prazeres com cigarros, chocolates
e pães. As crianças ficavam felizes com os presentes que os estrangeiros
traziam. Um menino de 10 anos, vendo esses presentes noutras crianças,
desejava ardentemente um "inglês" para a sua mãe e assim, ela não precisaria
passar fome por tanto tempo (62).
    Devemos perguntar à nossa consciência esta questão: O que dignifica
mais uma mulher? Uma segunda esposa, aceite e respeitada, ou uma prostituta
virtual, como no caso da abordagem "civilizada" das forças aliadas na
Alemanha? Em outras palavras, o que dignifica mais uma mulher, a prescrição
alcorânica ou a teologia baseada na cultura do império romano?
    É interessante notar que, numa conferência da juventude internacional,
realizada em Munique, em 1948, o problema alemão do desequilíbrio no
número de homens e mulheres foi discutido. Quando ficou claro que não havia
solução consensual, alguns participantes sugeriram a poligamia. A reação inicial
da reunião foi uma mistura de choque e repugnância. Contudo, após um estudo
cuidadoso da proposta, os participantes concordaram que a poligamia era a única solução possível. Consequentemente, a poligamia estava incluída entre
as recomendações finais da conferência (63).
    Atualmente, o mundo possui mais armas de destruição em massa do que
jamais houve em qualquer tempo e as igrejas europeias podem, mais cedo ou
mais tarde, ver-se obrigadas a aceitar a poligamia como o único caminho. O
Padre Hillman, após muito pensar, admitiu este fato: "É quase concebível que
aquelas técnicas genocidas (nuclear, biológica, química...) podem produzir
um desequilíbrio tão drástico entre os sexos que o casamento plural poderia
ser um meio necessário de sobrevivência... Em tal situação, os teólogos e os
líderes das igrejas deveriam rapidamente produzir razões importantes e textos
bíblicos que justifiquem um novo conceito de casamento."(64)

    Nos dias atuais, a poligamia continua a ser a solução viável para alguns
males das sociedades modernas. As obrigações comunitárias a que o Alcorão
se refere, juntamente com a permissão da poligamia, são mais perceptíveis
atualmente nas sociedades ocidentais do que na África. Por exemplo, nos USA
de hoje, há uma séria crise na comunidade negra. Um em cada 20 jovens negros
podem morrer antes de atingir a idade de 21 anos. Para aqueles que estão entre
os 20 e 35 anos, o homicídio lidera a causa da morte (65).
    Além disso, muitos rapazes negros estão desempregados, na prisão ou
são viciados (66). Como consequência, uma em quatro mulheres negras, na idade
de 40 anos, nunca se casou, enquanto que este número é de um para dez
mulheres brancas (67).
    Além do mais, muitas jovens negras tornam-se mães solteiras antes dos
20 anos e encontram-se na situação de serem mantidas. O resultado final dessas
trágicas circunstâncias é que há um aumento no número de mulheres negras
comprometidas com "homem-partilhado" (68).
    Isto é, muitas dessas infelizes mulheres negras solteiras estão envolvidas
em casos com homens casados. As esposas muitas vezes não têm consciência
do fato de que outras mulheres estão dividindo os seus maridos consigo. Alguns
observadores da crise do "homem-partilhado" na comunidade africana na América têm
recomendado a poligamia consensual, como uma resposta
temporária para a diminuição do número de homens negros, até que reformas
mais abrangentes na sociedade americana sejam tomadas(69). Esses observadores
entendem a poligamia consensual como a poligamia sancionada pela
comunidade e na qual todas as partes envolvidas concordam, em oposição ao
segredo dos casos com homens casados, os quais sempre prejudicam tanto a
esposa como a comunidade em geral.
    O problema do "homem-partilhado" na comunidade africana da América
foi ponto de discussão num painel realizado na Universidade de Temple, na
Filadélfia, em 27.01.93 (70). Alguns dos palestrantes recomendaram a poligamia
como um remédio potencial para a crise. Eles também sugeriram que a
poligamia não podia ser banida por lei, particularmente numa sociedade que
tolera a prostituição e o concubinato. O comentário de uma das mulheres
participantes, de que os negros americanos precisavam aprender com a África,
onde a poligamia era praticada responsavelmente, conseguiu entusiásticos
aplausos.

    Philip Kilbride, um antropólogo americano, de tradição católica romana,
no seu livro provocante: "Casamento Plural para o Nosso Tempo", propõe a
poligamia como solução para alguns dos males da sociedade americana. Ele
argumenta que o casamento plural pode servir como uma alternativa potencial
para o divórcio em muitos casos, a fim de eliminar o impacto danoso do divórcio
sobre as crianças. Ele afirma que muitos divórcios foram causados pelo
excessivo número de casos extraconjugais ocorridos na sociedade americana.
    De acordo com Kilbride, transformar um caso extraconjugal num casamento
poligâmico, ao invés do divórcio, é melhor para as crianças. Além disso, ele
sugere que outros grupos também se beneficiarão do casamento plural, tais
como: mulheres mais velhas, que enfrentam uma crônica diminuição de homens
e os negros americanos, que estão envolvidos com o "homem-partilhado"(71).
    Em 1987, uma votação conduzida por um estudante de jornalismo da
Universidade de Berkeley, perguntava aos estudantes se eles concordavam
que os homens poderiam ser autorizados, por lei, a terem mais do que uma
esposa, tendo em vista a visível diminuição do número de candidatos
masculinos para o casamento na Califórnia. Quase todos os votantes aprovaram a ideia.
 Uma estudante chegou a declarar que o casamento poligâmico
preencheria as suas necessidades físicas e emocionais, porque lhe daria maior
liberdade do que uma união monogâmica (72). Na verdade, o mesmo argumento
foi usado por alguns poucos remanescentes das mulheres fundamentalistas
Mormom, que ainda praticam a poligamia nos USA.
Elas acreditam que a poligamia é um caminho ideal para a mulher ter,
tanto profissão como crianças, uma vez que as esposas se ajudam umas às
outras no cuidado com os filhos (73).
    Deve-se acrescentar que a poligamia no Islam é questão de consenso
mútuo. Ninguém pode forçar a mulher a casar-se com um homem casado.
Além disso, a esposa tem o direito de estipular que o seu marido não deve se
casar com outra mulher (74). A Bíblia, por outro lado, algumas vezes vale-se da
poligamia forçada. Uma viúva sem filhos deve casar-se com o seu cunhado,
mesmo que ele já seja casado (ver a seção "A condição das Viúvas") e
independentemente de seu consentimento (Gênesis 38:8-10).
    Deve notar-se que, em muitas sociedades muçulmanas de hoje, a prática
da poligamia é rara, uma vez que a diferença entre os sexos não é grande. Pode
dizer-se que o número de casamentos poligâmicos no mundo muçulmano é
muito menor do que o de casos extraconjugais no Ocidente. Em outras palavras,
os homens no mundo muçulmano são muito mais monogâmicos do que os
homens no mundo ocidental.

    Billy Grahan, o eminente evangélico cristão, reconheceu este fato: "O
cristianismo não pode comprometer-se com a questão da poligamia. Se hoje o
cristianismo não pode fazer isso, é em seu próprio detrimento. O Islam permitiu
a poligamia como uma solução para os males sociais e reconheceu um certo
grau de latitude da natureza humana, mas, somente dentro da estrutura
estritamente definida na lei.
    Os países cristãos fazem um estardalhaço sobre a monogamia, mas, na
verdade, eles praticam a poligamia. Ninguém ignora a existência das amantes
na sociedade ocidental. A esse respeito, o Islam é fundamentalmente uma
religião honesta, que permite a um muçulmano casar-se uma segunda vez se ele precisar, mas proíbe rigorosamente todas as associações clandestinas, a
fim de salvaguardar a probidade moral da comunidade."(75)
    Releva notar que muitos países no mundo de hoje, muçulmanos ou não,
proibiram a poligamia. Tomar uma segunda esposa, ainda que com o livre
consentimento da primeira, é uma violação da lei. Por outro lado, trair a esposa,
com ou sem o seu conhecimento e/ou consentimento, é perfeitamente legítimo.
Qual é a sabedoria legal por detrás de tal contradição? A lei foi feita para
premiar a decepção e punir a honestidade? Este é um dos paradoxos fantásticos
do nosso mundo "civilizado".






51. Swidler, op. cit., págs. 144-148.
52. Hazleton, op. cit., págs 44-45.
53. Eugene Hillman, Polygamy Reconsidered: African Plural Marriage and the Christian
Churches (Nova York: Orbis Books, 1975), pág. 140.
54. Ibid., pág. 17.
55. Ibid., págs. 88-93.
56. Ibid., págs. 92-97.
57. Philip L. Kilbride, Plural Marriage For Our Times (Westport. Conn.: Bergin & Garvey,
1994) págs. 108-109.
58. The Weekly Review, 1º de agosto de 1987.
59. Kilbride, op. cit., pág. 126.
60. John D'Emilioe Estelle B. Freedman, Intimate Matters: A History of Sexuality in America
(Nova York: Harper & Row Publishers, 1988) pág. 87.
61. Ute Frevert, Women in German History: Horn Bourgeois, Emancipation to Sexual Liberation
(Nova York: Berg Publishers. 1988) págs. 263-264.
62. Ibid., págs. 257-258.
63. Sabiq, op. cit., pág. 191.
64. Hillman, op. cit., pág. 12.
65. Nathan Hare e Julie Hare, ed., Crisis in Black Sexual Politics (San Francisco: Black Think
Tank, 1989) pág. 25.
66. Ibid., pág. 26.
67. Kilbride, op. cit., pág. 94.
68. Ibid., pág. 95.
69. Ibid.
70. Ibid., pág. 95-99.
71. Ibid., pág. 118.
72. Lang, op. cit., pág. 172.
73. Kilbride, op. cit., pág. 72-73.
74. Sabiq, op. cit., pág. 187-188.
75. Abdul Rahman Doi, Woman in Shari'ah (London: Ta-Ha Publishers, 1994)

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