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sábado, 30 de abril de 2016

A Mulher no Islam - Parte 10 - DIVÓRCIO

Por: Sherif Abdel Azim



    As três religiões têm diferenças importantes nas suas posições em relação
ao divórcio. O cristianismo abomina o divórcio complemente. O Novo Testamento,
inequivocamente, advoga a indissolubilidade do casamento. Atribui se
a Jesus o ter dito, "Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua
mulher, a não ser por causa de prostituição, faz que ela cometa adultério, e
qualquer que casar com a repudiada comete adultério." (Mateus, 5:32).
     Este ideal intransigente é, sem dúvida, irreal. Ele pressupõe um estado de perfeição
moral que as sociedades humanas jamais alcançaram. Quando um casal percebe
que sua vida conjugal não tem mais jeito, negar o divórcio em nada irá ajudá-lo.
Forçar casais, que não se dão bem, a viverem juntos contra as suas vontades
não produz qualquer efeito, além de não ser razoável. Não espanta que o mundo
cristão tenha sido obrigado a sancionar o divórcio.
    O judaísmo, por outro lado, permite o divórcio, mesmo sem qualquer
razão ou causa. O Velho Testamento dá ao marido o direito de se divorciar de
sua esposa, mesmo que ele apenas se antipatize por ela: “Se um homem se
casa com uma mulher que venha a se tornar desagradável a ele, porque ele
descobre alguma coisa indecente sobre ela, ele assina o certificado de divórcio
e o dá para a esposa e a manda embora de sua casa.E se, depois de ela deixar a
sua casa. e se tornar a esposa de um outro homem, e esse segundo marido não
a quiser mais, se ele emitir o certificado de divórcio, e a mandar embora de sua
casa, ou se ele morrer, aquele primeiro marido, que se havia divorciado dela,
não pode mais casar-se com ela.” (Deuteronômio 24:1/4).
    Os versos acima, causaram alguns debates consideráveis entre os exegetas
judeus, por causa da discordância com o significado das palavras "desagradar",
"indecência" e "antipatizar", mencionadas neles. O Talmud registra as suas
diferentes opiniões: "A escola de Shamai entendeu que um homem não deve
divorciar-se da sua esposa, a menos que ela seja culpada de alguma má conduta
sexual, enquanto que a escola de Hillel diz que ele pode divorciar-se, mesmo
que ela simplesmente tenha quebrado um prato. O Rabino Akiba diz que o
homem pode divorciar-se dela simplesmente porque ele encontrou uma mulher
mais bonita do que a sua esposa." (Gittin 90 a-b).
O Novo Testamento segue a opinião dos Shamaitas, enquanto que a lei
judaica tem seguido a opinião dos Hillelitas e a do Rabino Akiba.(33)

    Desde que o ponto de vista dos Hillelitas tem prevalecido, a tradição da
lei judaica, de permitir o divórcio sem uma causa forte, foi quebrada. O Velho
Testamento não só dá ao marido o direito ao divórcio de uma esposa
"desagradável", como considera o divórcio de uma "esposa má" uma obrigação:
"Uma esposa má traz humilhação, olhar abatido e coração ofendido. Mãos
frouxas e joelhos fracos tem o homem cuja mulher falhou em fazê-lo feliz. A
mulher é a origem do pecado e é por causa dela que nós todos vamos morrer".
"Não deixe a água escapar, nem dê liberdade de falar para a mulher má.
Se ela não obedece às ordens que você lhe dá, separe-se dela." (Eclesiasticos
25:25-26).
    O Talmud registrava uma série de atos das esposas, pelos quais os maridos
eram obrigados a divorciar-se delas: "se ela comeu na rua, se ela bebeu
avidamente na rua, se ela amamentou na rua, em cada caso, o Rabino Meir diz
que ela deve deixar o seu marido" (Git. 89a). O Talmud também torna
obrigatório o divórcio de uma mulher estéril (que não gera filhos por um período
de 10 anos): "Nossos rabinos ensinaram: Se um homem tomou uma esposa e
viveu com ela por 10 anos e ela não gerou filhos, ele deve divorciar-se dela
(Yeb.64a).
    As esposas, por outro lado, não podiam iniciar o divórcio de acordo com
a lei judaica. A esposa judia, contudo, poderia reclamar o direito ao divórcio
perante uma corte judia, desde que apresentasse uma forte razão para tal. São
muito poucas as coisas que uma esposa podia apresentar para pedir o divórcio:
um marido com defeitos físicos ou doença de pele, um marido que não
cumprisse suas responsabilidades conjugais, etc. A Corte pode ajudar na
reclamação da esposa, mas não pode dissolver o casamento. Somente o marido
pode fazê-lo. A corte podia açoitar, mandar prender e excomungar o marido
para obrigá-lo a conceder o certificado de divórcio. Contudo, se o marido é
teimoso o suficiente, ele pode recusar-se a garantir o direito de divórcio à sua
esposa e mantê-la amarrada a ele indefinidamente. Pior ainda, ele pode deserdála
sem lhe garantir o divórcio e deixá-la descasada e sem estar divorciada. Ele
pode casar-se com outra mulher, ou mesmo morar com qualquer mulher solteira
fora do lar e ter filhos desta última (estas crianças são consideradas legítimas
pela lei judaica). A esposa deserdada, por outro lado, não pode casar-se com
ninguém, porque ela será considerada adúltera e os filhos de uma futura união
são considerados ilegítimos por 10 gerações. Uma mulher em tal situação é
chamada de "agunah" (mulher presa).(34)

    Nos USA, hoje, há aproximadamente de 1000 a 1500 mulheres judias
que são "agunot", enquanto que em Israel o seu número pode estar acima dos
1600. Os maridos podem extorquir milhares de dólares dessas mulheres presas
em troca de um divórcio de acordo com a lei judaica.(35)
    O Islam ocupa o meio termo entre o cristianismo e o judaísmo, com
relação ao divórcio. O casamento no Islam é uma bênção santificada, que não
deve ser quebrada, exceto por razões relevantes. Os casais são instruídos a
procurar todos os remédios possíveis, sempre que os seus casamentos estiverem
sob ameaça. O divórcio não é para ser usual, exceto quando não há qualquer
outro caminho ou solução. Resumidamente, o Islam reconhece o divórcio,
contudo ele o desencoraja por todos os meios possíveis.
    O Islam reconhece o direito de ambos os parceiros a terminarem as suas
relações matrimoniais. O Islam dá ao marido o direito ao divórcio. Além disso,
o Islam, diferentemente do judaísmo, garante à esposa o direito de dissolver o
casamento através do que é conhecido como "Khul’a".(36) Se o marido dissolve
o casamento, ele não pode retirar qualquer dos presentes de casamento
que ele lhe tenha dado. O Alcorão explicitamente proíbe aos maridos
divorciados de obterem de volta os presentes de casamento, não importando
quanto eles tenham custado.

"Se desejardes trocar de esposa, tendo-a dotado com um quintal,
não lho diminuais em nada. Tomá-lo-íeis de volta, com a falsa imputação
e um delito flagrante?" (4:20).

No caso de ser a esposa a escolher o fim do casamento, ela pode devolver
os presentes ao seu marido. Retornar os presentes de casamento é uma
compensação para o marido que gostaria de manter a esposa, enquanto que ela
escolheu deixá-lo. O Alcorão instruiu os muçulmanos a não tomar de volta os
presentes que eles deram às esposas, exceto no caso de a esposa escolher
dissolver o casamento:

"Está-vos vedado tirar-lhes algo de tudo quanto lhes haveis dotado,
a menos que ambos temam contrariar as leis de Allah. Se temerdes (vós
juízes) que ambos as contrariem, ambos não serão recriminados, se ela
der algo pela sua liberdade. Tais são os limites de Allah; não os ultrapasseis,
pois. Aqueles que os ultrapassarem serão injustos." (2.229).

    Certa vez uma mulher foi ter com o Profeta procurando a dissolução do
seu casamento. Ela disse ao Profeta que não tinha qualquer queixa contra o
marido, com relação ao caráter ou aos modos. Seu único problema era que ela,
honestamente, não gostava dele a ponto de ser capaz de viver com ele por
muito tempo. O Profeta lhe perguntou. "Você devolveria o seu pomar de volta?"
(o presente de casamento que ela havia recebido) e ela disse: "Sim". O Profeta
então orientou o homem a tomar de volta o seu pomar e aceitar a dissolução do
seu casamento (Bukhári).
    Em alguns casos, uma esposa muçulmana pode querer manter seu
casamento, mas acha-se obrigada a pedir o divórcio por causa de alguns motivos
relevantes, tais como: crueldade do marido, deserção sem razão, um marido
que não preenche suas responsabilidades conjugais, etc. Nestes casos, a corte
muçulmana dissolve o casamento(37).
    Em resumo, o Islam tem oferecido à mulher muçulmana alguns direitos
inigualáveis: ela pode terminar o casamento através da "Khul’a" e pedir o
divórcio. Uma esposa muçulmana não pode nunca se tornar prisioneira de um
marido recalcitrante. Foram esses direitos que seduziram as mulheres judias,
que viviam nas primeiras sociedades islâmicas do séc. VII, d.C. a procurarem
obter os certificados de divórcio dos seus maridos judeus nas cortes
muçulmanas. Os rabinos declararam aqueles certificados nulos e inválidos. A
fim de terminar esta prática, os rabinos deram novos direitos e privilégios às
mulheres judias, na expectativa de enfraquecer o encanto das cortes
muçulmanas. Não se oferecia às mulheres judias, que viviam nos países cristãos, qualquer privilégio semelhante onde a lei romana de divorcio, então praticada,
não era mais atraente do que a lei judia.(38)
    Agora focalizemos nossa atenção sobre como o Islam desencoraja o
divorcio. O Profeta do Islam disse aos crentes que: "entre todos os atos lícitos,
o divorcio é o mais odiado por Deus" (Abu Daoud). Um muçulmano não deve
divorciar-se da sua esposa, apenas porque ele não se simpatiza mais com ela.
O Alcorão orienta o muçulmano a ser gentil com as suas esposas, mesmo em
caso de emoções fortes ou sentimentos de desagrado:

"E harmonizai-vos com elas, pois se as menosprezardes, podereis
estar depreciando seres que Allah dotou de muitas virtudes." (4:19).

    O Profeta Mohammad deu uma orientação semelhante: "Um crente não
deve odiar uma crente. Se ele não gosta de alguma coisa, ele poderá se agradar
de outras" (Musslim). O Profeta também enfatizou que os melhores
muçulmanos eram aqueles que eram os melhores para as suas esposas: "Os
crentes que mostram a fé mais perfeita são aqueles que têm o melhor caráter e
o melhor dentre vocês é aquele que é o melhor com as suas esposas" (Tirmizi).

    Contudo, o Islam é uma religião prática e reconhece que há algumas
circunstâncias nas quais o casamento chega à beira do colapso. Em tais casos,
o simples conselho de gentileza ou autocontrole não é a solução viável. Assim,
o que fazer a fim de salvar o casamento nesses casos? O Alcorão oferece alguns
conselhos práticos para os casais cujo parceiro é o injusto. Para o marido, cuja
má conduta da esposa está ameaçando o casamento, o Alcorão dá 4 tipos de
conselho, como detalhado nos versículos seguintes:

"Quanto àquelas de quem constatais rebeldia, admoestai-as (na
primeira vez), abandonai os seus leitos (na segunda vez) e castigai-as (na
terceira vez); porém, se vos obedecerem, não procureis meios (escusos)
contra elas. Sabei que Allah é Excelso, Magnânimo. E se temerdes
desacordo entre ambos (esposo e esposa), apelai para um árbitro da família
dele e outro da dela. Se ambos desejarem reconciliar-se, Allah os
reconciliará, porque é Sapiente, Inteiradíssimo."(4:34/35).

    Os três primeiros devem ser tentados primeiro. Se não funcionar, então
a ajuda das famílias envolvidas deve ser procurada. Deve-se notar que à luz
dos versículos acima, bater numa esposa rebelde é uma medida temporária e
que está colocada em terceiro lugar para os casos de extrema necessidade, na
esperança de que isto possa remediar a esposa injusta. Se isto funcionar, não
se permite ao marido sob qualquer meio, de continuar a molestá-la. Se não
funcionar, não deve usar esta medida por muito tempo e o passo final da
reconciliação, assistida pela família, deve ser explorada.
    O Profeta Mohammad orientou os maridos muçulmanos a não recorrerem
a tais medidas, exceto em casos extremos, tais como atos lascivos cometidos
pela esposa. Mesmo nestes casos, a punição deveria ser branda e, se a esposa
desistisse, o marido não deveria irritá-la. "No caso de elas serem culpadas de
lascívia, vós podeis deixá-las sozinhas em suas camas e infligir-lhes uma
punição branda. Se elas forem obedientes, não procurais motivos de
aborrecimento contra elas." (Tirmizi).
    Além disso, o Profeta do Islam condenou qualquer surra injustificada.
Algumas esposas muçulmanas se queixaram a ele de que os seus maridos lhes
batiam. Ouvindo isso, o Profeta categoricamente estabeleceu: "Aqueles que
fazem isso (bater nas esposas) não são os melhores dentre vós" (Abu Dauod).
Deve ser lembrado também que o Profeta disse, com relação a essa questão:
"Os melhores dentre vós são aqueles que são os melhores com a sua família, e
eu sou o melhor dentre vós para a minha família" (Tirmizi).
O Profeta aconselhou uma muçulmana, de nome Fátima bint Qais, a não
se casar com um determinado homem porque ele era conhecido por bater em
mulheres: "Eu fui ao Profeta e disse: Abul Jahm e Mu'awiya propuseram-me
casamento. O Profeta (a título de conselho) disse: Quanto a Mu'awiya, ele é
muito pobre, e quanto a Abul Jahm, ele está acostumado a bater em mulheres"
(Musslim).
    Deve-se notar que o Talmud sanciona a surra na esposa, como castigo
com fins disciplinares.(39) O marido não fica restrito àqueles casos de lascívia.
Ele pode bater na sua esposa, mesmo que ela se recuse a fazer os seus serviços
domésticos. Além disso, ele não se limita apenas àqueles casos de punição
leve. Ele pode quebrar a teimosia da esposa com chibatadas ou deixando-a
com fome.(40)
Para a esposa, cuja má conduta do marido é causa para o fim do
casamento, o Alcorão oferece o seguinte conselho:

"Se uma mulher notar indiferença ou menosprezo por parte de seu
marido, não haverá mal em se reconciliarem amigavelmente, porque a
concórdia é o melhor" (4:128).

    Neste caso, aconselha-se à mulher a procurar a reconciliação com o seu
marido (com ou sem a assistência familiar). É de se notar que o Alcorão não
aconselha a esposa a valer-se da abstenção do sexo. A razão para este disparate
pode ser para proteger a esposa de uma reação física violenta pelo já raivoso
marido.
    Tal reação física violenta será muito pior, tanto para o marido quanto
para a esposa, além de prejudicar mais ainda o casamento. Alguns exegetas
têm sugerido que a corte pode aplicar aquelas medidas contra o marido em
nome da esposa. Quer dizer, a corte primeiro repreende o marido rebelde e,
então, proíbe-o de deitar-se com ela e, finalmente, executa uma surra
simbólica.(41)
   Em resumo, o Islam oferece aos casais muçulmanos conselhos muito
mais viáveis para salvar-lhes o casamento em caso de problemas e tensão. Se
uma das partes prejudica a relação matrimonial, a outra parte é aconselhada pelo Alcorão a fazer o que for possível e efetivo para salvar esta sagrada bênção.
Se todas as providências falharem, o Islam permite aos casais separarem-se
pacífica e cabalmente.




33. Epstein, op. cit., pág. 196.
34. Swidler, op. cit., págs. 162-163.
35. The Toronto Star, Apr. 8, 1995.
36. Sábiq, op. cit., pp. 318-329. Ver também Muhammad al Ghazali, Qadaya al Mar'a fi al
Taqalid al Rakida wal Wafida (Cairo: Dar al Shorooq, 4ª edição, 1992) págs. 178-180.
37. Ibid.,págs. 313-318.
38. David W. Amram, The Jewish Law of Divorce According to Bible and Talmud ( Philadelphia:
Edward Stern & CO., Inc., 1896) págs. 125-126.
39. Epstein, op. cit., pág. 219.
40. Ibid, págs 156-157.
41. Muhammad Abu Zahra, Usul al Fiqh al Islami (Cairo: al Majlis al A'la li Ri'ayat al
Funun, 1963) p. 66.

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