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domingo, 1 de maio de 2016

Um Epílogo sobre o livro "A mulher No Islam - Mito E Realidade" Por: Sherif Abdel Azim


    A questão que se apresenta àqueles não-mulçumanos, que leram uma
versão inicial do presente estudo é: As mulheres muçulmanas no mundo de
hoje recebem este nobre tratamento tal como descrito aqui? A resposta,
infelizmente, é: Não. Uma vez que a questão é inevitável em qualquer discussão
referente à condição das mulheres no Islam, temos que elaborar uma resposta
a fim de fornecer aos leitores um quadro completo.
    Devemos esclarecer, primeiro, que as enormes diferenças entre as
sociedades muçulmanas acabam por gerar generalizações muito simplistas.
Há um vasto espectro de posturas em relação à mulher no mundo muçulmano
atual. Estas posturas diferem de uma sociedade para outra e dentro de cada
sociedade individual. Contudo, podemos discernir certos traços gerais. Quase
todas as sociedades muçulmanas, em maior ou menor grau, se desviaram dos
ideais do lslam, com respeito à condição das mulheres. Estes desvios, na maior
parte, direcionaram-se para uma ou duas direções. A primeira é mais
conservadora, restritiva e orientada pelas tradições, enquanto que a segunda é
mais liberal, orientada pelos costumes ocidentais.
    As sociedades que se encaminharam para a primeira direção tratam as
mulheres de acordo com os costumes e tradições herdados de seus ascendentes.
Estas tradições, comummente, privam as mulheres de muitos direitos que lhes
são garantidos pelo Islam. Além disso, as mulheres são tratadas de acordo
com padrões diferentes daqueles aplicados aos homens. Esta discriminação
penetra a vida de qualquer mulher: ela é recebida com menos alegria ao nascer
do que um menino; ela é menos incentivada a ir para a escola; ela pode ser
privada de qualquer participação na herança da sua família; ela está sob contínua
vigilância em relação à sua modéstia, enquanto que os atos de imodéstia dos
seus irmãos são tolerados; ela pode até ser morta por cometer o que os membros
masculinos da sua família comumente se vangloriam de praticar; ela tem pouca
atuação nos assuntos familiares ou nos interesses comunitários; ela pode não
ter o completo controle sobre as suas posses e os seus presentes de casamento;
e, finalmente, como mãe, ela preferiria gerar filhos homens a fim de alcançar
uma elevada posição na sua comunidade.
    Por outro lado, há sociedades muçulmanas (ou certas classes dentro de
algumas sociedades) que foram varridas pela cultura e modo de vida do
Ocidente. Estas sociedades, muitas vezes, imitam, de forma inimaginável, tudo o que receberam do Ocidente e, finalmente, acabam por adotar os piores frutos
da civilização ocidental. Nestas sociedades, a prioridade máxima na vida de
uma típica mulher "moderna" é realçar a sua beleza física. Portanto, o seu
esforço é mais para realizar a sua feminilidade do que preencher sua
humanidade.
    Porque é que as sociedades muçulmanas se desviaram dos ideais do
Islam? Não há uma resposta fácil. Uma explicação penetrante das razões pelas
quais muçulmanos não aderiram aos preceitos alcorânicos em relação às
mulheres está além do objetivo deste estudo. Contudo, deve ser esclarecido
que as sociedades muçulmanas também se desviaram, há muito tempo, dos
preceitos islâmicos concernentes a muitos aspectos das suas vidas. Há uma
grande diferença entre o que os muçulmanos supõem acreditar e o que eles
realmente praticam. Esta diferença não é um fenômeno recente. Tem sido assim
durante séculos e continuará aumentando dia após dia. Esta diferença sempre
crescente tem tido consequências desastrosas no mundo muçulmano e
manifestam-se em quase todos os aspectos da vida: tirania e fragmentação
política, economia, injustiça social, falência científica, estagnação intelectual,
etc. O status não islâmico das mulheres no mundo muçulmano atual é
simplesmente um sintoma de doença mais profunda. Qualquer reforma no
atual status das mulheres muçulmanas não terá sucesso se não for acompanhada
de reformas mais amplas em todo o modo de vida das sociedades islâmicas. O
mundo muçulmano necessita de um renascimento que o aproxime dos ideais
do Islam e não que o afaste deles. Para resumir, a noção, hoje em dia, de que
há um pobre status das mulheres muçulmanas deve-se a uma total
incompreensão. Os problemas dos muçulmanos em geral não são devidos ao
fato destes estarem muito presos ao Islam. Na verdade, eles se originam
exatamente por um longo e profundo afastamento do Islam.
    Deve-se também enfatizar que a proposta deste estudo comparativo não
é, em qualquer hipótese, difamar o judaísmo ou o cristianismo. A posição das
mulheres nas tradições judaico-cristãs pode parecer retrógrada, se comparada
com nossos padrões de final de século XX, contudo, deve ser encarada dentro
do seu próprio contexto histórico. Por outras palavras, qualquer avaliação da
posição das mulheres na tradição judaico-cristã tem que ter em conta as
circunstâncias históricas nas quais essas tradições se desenvolveram. Não pode
haver dúvida de que as opiniões dos rabinos e pastores da Igreja, em relação às
mulheres, foram influenciadas por posturas prevalecentes nas suas respectivas
sociedades.
    A própria Bíblia foi escrita por diversos autores em diversas épocas.
Estes autores não podiam ser imparciais aos valores e modo de vida das pessoas
à volta deles. As leis do adultério no Velho Testamento, por exemplo, eram tão
desfavoráveis às mulheres que elas desafiam qualquer explicação racional por
parte da nossa mentalidade. Contudo, se nós considerarmos o fato de que as
primeiras tribos judias eram obcecadas pela sua homogeneidade genética e
extremamente desejosas de se distinguirem das outras tribos, e que somente a
má conduta sexual das mulheres casadas podia ameaçar essas caras aspirações,
nós podemos entender, mas não necessariamente simpatizarmos com elas, as
razões de tal obcessão. Também, as ranzinzices dos padres da Igreja contra as
mulheres devem ser encaradas dentro do contexto da misoginia da cultura
greco-romana, na qual eles viviam. Não seria correto avaliar o legado judaicocristão,
sem levar em consideração o relevante contexto histórico.
    De fato, a compreensão adequada do contexto histórico também é crucial
para o entendimento do significado das contribuições do Islam para a
história mundial e a civilização humana. A tradição judaico-cristão foi
influenciada e moldada pelo meio ambiente, condições e culturas existentes
na época. No século VII, esta influência distorceu a mensagem divina revelada
a Moisés e Jesus, muito além do reconhecimento. O pobre status das mulheres
no mundo judaico-cristão no séc. VII é apenas um caso em questão. Em razão
disso, havia uma grande necessidade de uma nova mensagem, que levasse a
humanidade de volta para o caminho reto. O Alcorão descreveu a missão do
novo Mensageiro como uma libertação para judeus e cristãos do peso que
havia sobre eles:



"São aqueles que seguem o Mensageiro, o Profeta iletrado, o qual
encontram mencionado em sua Tora e seu Evangelho, o qual lhes
recomenda o bem e lhes proíbe o ilícito, prescreve-lhes todo o bem e vedalhes
o imundo, alivia-os dos seus fardos e livra-os dos grilhões que os
deprimem." (7:157)


    Portanto, o Islam não deve ser visto como uma tradição rival para o
judaísmo e cristianismo. Ele deve ser encarado como uma consumação,
complementação e aperfeiçoamento das mensagens divinas que foram reveladas
anteriormente.
     No final deste estudo, gostaria de oferecer o seguinte conselho à
comunidade muçulmana global. Nega-se a muitas mulheres muçulmanas os
direitos islâmicos básicos. Os erros do passado devem ser corrigidos. Fazer
isto não é um favor, mas sim uma obrigação para todos os muçulmanos. A
comunidade muçulmana mundial deve elaborar um quadro com as instruções
do Alcorão e os ensinamentos do Profeta do Islam. Este quadro deve garantirlhes
todos os direitos doados pelo Criador. Então, todos os meios necessários
têm de ser desenvolvidos, a fim de assegurar a implementação adequada deste
quadro, o qual se faz necessário há muito tempo. Mas, é melhor tarde do que
nunca. Se o mundo muçulmano não garantir os direitos islâmicos plenos às
suas mães, esposas, irmãs, filhas, quem o fará?
    Temos que ter a coragem de confrontar o nosso passado e rejeitar
completamente as tradições e costumes dos nossos ascendentes, sempre que
essas tradições e costumes se contraponham aos preceitos do Islam. O Alcorão
não criticou severamente os árabes pagãos por seguirem cegamente as tradições
dos seus ancestrais? Por outro lado, temos que desenvolver uma atitude crítica
em relação a tudo que recebemos do ocidente ou de qualquer outra cultura. A
interação com e o que se aprende de, são experiências válidas. O Alcorão
sucintamente considerou esta interação como uma das propostas da criação:


"Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos
dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros." (49.13).


    Pode-se dizer, contudo, que a imitação cega dos outros é um sinal certo
de uma completa falta de auto-estima. Estas palavras finais são dedicadas aos
leitores não muçulmanos, judeus, cristãos, ou quaisquer outros. É desorientador
o fato de uma religião, que revolucionou a condição da mulher, estar a ser
taxada e difamada como sendo uma religião que reprime a mulher. Esta
percepção sobre o Islam é um dos mitos mais difundidos no nosso mundo de
hoje. Este mito está sendo perpetuado por uma enxurrada de livros sensacionalistas, 
artigos e imagens na mídia, e filmes de Hollywood. O resultado
inevitável dessas incessantes imagens errôneas tem sido a incompreensão e o
medo de tudo o que se refere ao Islam. Este retrato negativo do Islam na mídia
mundial tem que acabar se quisermos viver num mundo livre de todos os
traços de discriminação, preconceito e equívoco.
    Os não muçulmanos devem perceber a existência de uma imensa
diferença entre a crença e a prática muçulmanas e o simples fato de que as
ações dos muçulmanos não representam necessariamente o Islam. Rotular a
condição da mulher no mundo muçulmano de hoje como "islâmica" está tão
longe da verdade quanto rotular a posição da mulher de hoje, no Ocidente,
como "judaico-cristã". Com isto em mente, muçulmanos e não-muçulmanos
devem começar o processo de comunicação e diálogo, a fim de remover todos
os preconceitos, suspeitas e medos. Um futuro pacífico para a família humana
necessita de tal diálogo.
    O Islam deve ser visto como uma religião que melhorou
consideravelmente a condição da mulher e lhe garantiu muitos direitos que o
mundo moderno só veio a reconhecer neste século. O Islam ainda tem muito a
oferecer à mulher de hoje, dignidade, respeito e proteção em todos os aspectos
e estágios da sua vida, desde o nascimento até à morte, além do reconhecimento,
equilíbrio e meios para a satisfação de todas as suas necessidades espirituais,
intelectuais, físicas e emocionais. Não espanta que muitos daqueles que
escolhem ser muçulmanos em países como a Inglaterra sejam mulheres. Nos
EUA, as mulheres convertem-se ao Islam, numa proporção de 4 para cada
homem (85).
    O Islam tem muito a oferecer ao mundo de hoje, que está em grande
necessidade de um guia e uma liderança moral. O embaixador Herman Eilts,
testemunhando frente ao comitê de Negócios Estrangeiros do Congresso
americano, em junho de 1985, disse que "a comunidade muçulmana de hoje
está perto de um bilhão. Este é um número expressivo. Mas, para mim, é
igualmente expressivo que o Islam hoje seja a religião monoteísta que mais
cresce no mundo. Devemos ter isto em conta. Alguma coisa está certa acerca
do lslam. Ele está atraíndo uma boa quantidade de pessoas". Sim, alguma
coisa está certa acerca do lslam, e está na hora de encontrá-la. Espero que este
estudo seja um passo nesta direção.



85. The Times, 18 de novembro de 1993.

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